sexta-feira, 4 de outubro de 2019

UMA RELATO


No final da tarde chegaram uns papéis que eu deveria entregar no atendimento. Peguei-os distraída e me dirigi ao balcão. A porta abriu-se e entrou uma jovem, em seguida dois policiais. Esmoreci. Era uma menina linda. Mulata com uma face perfeita. Aliás, ela era completamente linda e perfeita. Congelei. Olhei para ela, para seu rosto e perguntei: " quantos anos você tem, Pequena? " Procurei disfarçar minha angustia por vê-la ali. Mas ela percebeu e com os olhos marejados respondeu-me : "17". Em seguida, seus olhos, inquietos, procuravam pela mãe. Nessa hora, não há mais ninguém, amigos, namorado, colegas de farra, todos desparecem, mas a mãe não. Entrou e depois de uma abraço tenso, virou-se para mim e, com a voz trêmula, perguntou " o que vai acontecer agora?". Tentei tratar o caso com muito cuidado. Noticias difíceis precisam ser dadas com afeto e altruísmo. Cumprido meu dever, despedi aquelas pessoas e me retirei para um lugar a parte. Desabei. minha alma se desmanchou em lágrimas de indignação. Aquela menina deveria estar numa sala de aula se preparando para o ENEM. Deveria estar usando uma roupa quentinha e limpa e com os cabelos penteados. Aquele menina deveria ter uma familia feliz, com pai, mãe, café no bule, leite na geladeira e biscoito na lata. Deveria deitar a tarde na sala para ver televisão, ler uma revista. Aquela menina deveria estar com a mãe na cozinha para aprender a cozinhar, na biblioteca para aprender a amar literatura, no judô, balé, aula de dança, de violão, bateria, sei lá. Em qualquer lugar decente. Não ali escoltada por dois policiais sendo conduzida para um lugar frio e sem vida. Pergunto onde esteve o Estado durante a infância desta linda jovem?" Com certeza não esteve presente, mas chegou agora com um cadeado para guardar a moça pois descobriu que ela feriu a letra da Lei. Guardei minhas lágrimas e voltei ao trabalho. Não sei se ela vai conseguir sair do emaranhado que tem vivido. Mas desejo muito que consiga. Uma vida é tão preciosa. Ela, tão menina ainda, na aurora da vida, uma aurora densa, escurecida pelo nebulosidade do abandono no qual vagueia tão grande parte da juventude brasileira.

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