sexta-feira, 17 de novembro de 2023

O PORTÃO - ROBERTO CARLOS - UMA REFLEXÃO

 

    Nesta manhã ao sair para caminhar resolvi ouvir algumas canções antigas. Aleatoriamente entrou a música do Roberto, O Portão.  Ouvir músicas antigas do Roberto me trazem lembranças da adolescência. Meu tio Marcos, esposo da minha tia Emilia, todos os anos comprava o LP do Roberto que era lançado no fim de cada ano, assim passávamos o final de ano embalados por aquelas canções.

 Lembranças nos fazem bem, e mal.

    Recordar nos faz sentir uma nostalgia, um aperto no coração, sim, há uma certa dor nas lembranças. Mas isso é bom! As Lembranças nos trazem uma certa paz também. 

    Interessante como as experiências vão se sobrepondo umas às outras e vão formando camadas com novas cores. Tais cores vão se infiltrando nas lembranças anteriores de modo que nossa percepção do passado vai se alterando, eu diria, amadurecendo.  

    Ouvido essa música do Roberto, achei alguma semelhança com o Filho Prodigo de Jesus.  Na música, ele, um dia deixou o conforto da família, a proteção dos pais, o quarto simples com colchão manchado, deixou a velha geladeira sempre com muitas garrafas de  água e ovos; deixou a velha sala com o sofá pedindo um novo e se foi levando o pouco dinheiro que a mãe pudera dar.

     Lá fora, além do horizonte, não havia um lugar bonito  para viver em paz. 

    Ele teve muita sorte de poder voltar e encontrar alguma coisa esperando por ele.

  Muitos ao voltar não encontram mais um cachorro latindo no portão, não conseguem mais abrir a porta porque a fechadura foi mudada. Não há retratos amarelados na parece, não há mais mãos estendidas para acolhe-lo em um abraço quente. 

    Por muitos motivos, ou porque o tempo de fato desfaz os cenários, seja pelo recolhimento dos espíritos, seja porque as pessoas se esgotam ao esperar pelos pródigos. 

    Um dia não esperam mais. 

    De início pensava que a pessoa que esperava o Roberto seria sua mãe. Afinal mãe é como o Word Trade Center, mas que não se quebra, não desaba. Podem vir aviões camicases, ou ataques de todo tipo, ventos, furacões e terremotos, Mãe não cai.

     Braços de mãe sempre estão abertos. “Pode uma mãe esquecer-se de seu filho? Do filho que mama?”. A Bíblia já nos alerta acerca do amor de uma mãe. Porém na sequência do texto bíblico ele diz:” todavia , ainda que ela dele se esquecesse...” (Is 49:15). 

    Então, mães, podem sim, chegar ao limite da esperança. Roberto teve sorte. 

    A música sem dúvida fala de família. Roberto é um romântico. Fui ampliando a visão, e pensei que não são apenas os filhos que saem de casa. 

    Temos pais  pródigos e mães também. 

    Pais que, em busca da felicidade, no seu egocentrismo, olha pela janela e procura do lado de fora um lugar para ser mais feliz. A cama desarrumada, o ninho, a mesa, o cheiro do café da manhã, o resto de Coca na geladeira, o botijão de gás para trocar, o controle da TV na mão do filho, o perfume da casa pelas manhãs ensolaradas ou chuvosas, já não lhes são suficientes para ser feliz.  

    Eles saem  em busca dessa tal felicidade, enfim, eles acreditam que nasceram para ser feliz  e na desenfreada busca  disso, não se importam de subir na escada da infelicidade e humilhação do outro. As juras de amor, companheirismo e fidelidade são atropeladas por um ser que não se importa mais com honra, caráter, responsabilidade. 

    Aliás, qualidades que a modernidade excluiu dos  dicionários. 

    Mas lá fora nada é muito diferente e pode ser muito pior. O mal, na verdade,  está dentro da pessoa e ela o carrega para onde vai. O real motivo da infelicidade não está ligado às experiências de nossa vil e passageira existência, tem haver muito mais com um espírito cuja saciedade não será encontrada em sexo, festa, paixões e diversão. 

    Um dia, frustrado, deseja-se voltar para  casa. 

    Feliz aquele encontra o caminho de volta, um portão aberto, um cachorro abanando o rabo e um retrato ainda na parece amarelado pelo tempo. Muitos não têm a mesma sorte. Resta-lhe o caminho do horizonte em busca de uma sombra  cuja árvore terá que plantar novamente, e como é sabido, árvores demoram a crescer. 

     E prossegue numa caminhada insólita e insípida pois quem constrói sua felicidade, ou pelo menos tenta, sobre a infelicidade de outrem, não consegue plantar uma árvore com copa suficiente para lhe trazer uma sombra de paz, conforto e real bem aventurança. 

    E a música seguiu...” eu voltei para as coisas que eu deixei... eu voltei... tanto quis dizer e não falei, E chorei...”.


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