sexta-feira, 18 de fevereiro de 2022

MADRASTA MINHA HITÓRIA DE AMOR

 Eu tinha oito anos e ela 16. Papai parou o caminhão e ela desceu em silêncio. Entrou na sala e eu estava sentada no chão assistindo a uma antiga televisão em preto e branco. Eu não queria aceitar que meu pai iria casar-se. Não queria saber daquela estória muito menos dela. Nos dias seguintes eu permanecia indiferente. Papai voltou para estrada e a deixou conosco. Minhas tias se foram me deixando com ela. Meu mundo desabou quando percebi que ela iria dormir na mesma cama que eu. Se bem me lembro eu chorei a noite inteira gritando pelas minhas tias. Mas em vão. Ela entenderam que a melhor pedagogia seria me deixar sozinha com a novata. No chão da sala eu recortava roupas para uma velha boneca. Ela sentou-se ao meu lado e começou a costurar novos vestidos para as bonecas. Ergui os olhos e diante de mim estava uma mocinha, morena, cabelos bem lisos e pretos. Seus dedos finos manuseavam a tesoura e a agulha. Afinal alguém que sabia brincar de boneca não poderia ser assim tão ruim. Nasceu ali uma história que já dura 50 anos. Neste tempo choramos, sorrimos, nos amamos, nos odiamos, nos abraçamos, nos empurramos. Neste tempo ela cuidou de mim e eu cuidei dela. Ela me espremeu e nós a esprememos. Quando ela adoeceu de morte eu adoeci de medo. Buscamos em todos canto uma saída e Deus nos deu. Depois de uma cirurgia craniana ela não foi mais a mesma, seu cérebro amargava as variações decorrentes das lesões sofridas . Porém hoje a encontrei cabisbaixa, em suas mãos uma caixa com velhas fotografias onde papai exibia sua juventude ao lado dos quatro filhos que ela lhe dera. De uma certa distância fiquei contemplando aquela cena. Ela não sorria e passava cada foto como quem desejava mergulhar nela. O último pedido do papai foi que cuidássemos dela. Eu não tinha o que falar. Ela se levantou e, exibindo uma rara consciência dos fatos a sua volta, me abraçou e me pediu perdão. Não me recordo se eu teria alguma coisa para perdoar a alguém que amou perdidamente meu papai e me deu quatro irmãos que são minha alegria, minha honra, minha confiança, minha vida. Sim, eu a perdoaria por ter me amado no momento em que todos me abandoaram? Eu a perdoaria por ter me ensinado a ser uma boa dona de casa? Eu a perdoaria por ter me ajudado a criar meus filhos e por os seus seios sem leite para eles ficarem quieto até eu chegar da faculdade com os meus de leite? Sim. Só uma coisa eu não a perdoarei, se ela enfraquecer e não ficar ao nosso lado, bem viva, bem firme, nos ajudando a curar essa ferida aberta que sangra de saudade de nosso papai. Esse abraço registrado por uma amiga e ele fala mais que mil palavras.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

A GRANDE REVOLUÇÃO

  Jesus convocou o mundo para o maior desafio já visto: ama o teu próximo… eu sempre digo: dura coisas nos pediste. Pedir para amar é pedir...