sexta-feira, 18 de fevereiro de 2022

PARA O MEU PAPAI

 A gente andava de bicicleta juntos. Sem pressa, um morro ou outro ele descia pois sua velha bicicleta contra-pedal não colaborava. Eu amava sua companhia alegre, serena, protetora. Suas mãos fortes, dedos firmes forjados pelo volante dos caminhões, pelas chaves de roda, pelas ferramentas que usava para consertar seus carrinhos velhos. A gente parava para ouvir os pássaros, para olhar o céu. Ele parava para cumprimentar amigos que passavam e eram muitos. Eu cansada ele nem aí. Jamais pensei que papai fosse embora. Ele era imortal para mim. Mas só que não. Os papais morrem de verdade. Um dia acontece e é melhor que seja assim. Ele foi feliz por não ter enterrado nenhum de seus seis filhos. Ele foi feliz com um chapéu velho e uma bicicleta de museu. Hoje minha irmã veio me contar desconfiada que havia pego uma coisa de papai. Fiquei curiosa pois papai não possuía praticamente nada de valor. Ela, com receio, me disse que pegou o chapéu dele. Eu sorri. O chapéu era sua marca. Tudo bem, eu disse. Ela guarda o chapéu e eu guardo as lembranças. A bicicleta vai ganhar um lugar de destaque na casa de um dos filhos. Será uma relíquia para que olhemos e contemos aos netos e bisnetos quem foi Simião Miranda, o homem que foi unanimemente conclamado como bom, honesto, amigo, alegre e leal pelos amigos, irmãos, filhos. Acho que devíamos comprar uma tartaruga de metal e colocar ao lado da bicicleta. Ele tinha o apelido de Tartaruga, porque dirigia devagar. Devagar chegou com pernas e braços de atleta aos 81 anos. Devagar chegou aos 81 andando 30 km de bike num dia sem fadiga. Devagar ele se foi caminhando com passos lentos até o hospital. Devagar estamos tentando sobreviver a esse momento novo, que se vive uma vez só, que não se aprende ouvindo, só vivendo.

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