Desculpe mas preciso dizer isso. Há cinco dias meu pai morreu. Morreu por causa desse vírus maldito que emergiu no outro lado do mundo, foi se deslocando de pessoa em pessoa, até chegar aos confins da terra, na Lagoa de Juturnaíba onde meu papai se escondia do mundo. Milhões de famílias foram humilhadas por esta coisa microscópica, unicelular, sei lá, que vem desafiando a glória dos donos da ciência e do conhecimento. Ele simplesmente derruba e mata. E a nós resta a única coisa que podemos fazer, chorar humilhados. Hoje estou vivendo o pior dia do luto. Minha mente foi completamente inundada pelo meu pai. Sua vida, seu sorriso, minha infância, seu caminhão vermelho, o azul, o branco, seus carros sucatas que ele adorava reformar, sua bicicleta pré-histórica com freio contrapedal, seu sorriso, o caldo de cana que ele fazia e colocava numa garrafa de coca vazia para eu trazer, o peixinho já cortado para eu fritar, o aipim que ele colhia para eu trazer. Minha mente hoje está como se uma represa tivesse rompido e tudo fosse derramado. Sinto seus passos lentos, seu cheiro de óleo dieses, ouço sua voz cansada. Hoje eu não sou eu. Hoje eu estou como um prédio atingido por uma aeronave, como as torres gêmeas. Eu não sou forte, eu sou uma filha que foi amada sem limites pelo pai e que o amou na mesma intensidade. Hoje eu sou só uma filha sem pai, sem referência, sem confiança, sem amanhã. Hoje eu sou uma pena que o vento levaria a qualquer parte. Queria ir para a Lagoa e gritar no portão Pai! Sou eu! E ouvir ele gritar Lalanca, você veio, mas que surpresa boa! E ir direto para o velho fogão caindo aos pedaços colocar uma panela, a mesma que ele fazia o arroz, fritava o bife, para ferver água e fazer um café. Hoje, amigos, eu não sou nada. Sou dor, sou choro, sou lamento. Amigos, hoje, eu sou uma folha seca caída na beira da estrada; hoje eu sou uma filha sem pai. Sei que vai passar. Milhões estão vivendo isso,ou ainda vão viver e todos suportarão porque é o caminho de todos os homens. Neste momento eu compreendo o que dizia o velho hino que papai gostava tanto... foi na cruz, foi na cruz... mas um dia senti meus pecados e vi sobre mim a espada da Lei... Sim a espada da Lei é a morte fria, debochada, insensível porém incrivelmente isonômica. A morte que apaga sorrisos, olhares, canções, histórias, saberes, amores, sonhos. A morte humilhante que faz do homem um fantoche. Sei que vai passar, pode não parecer mas sou crente. Creio a ressurreição dos mortos, creio na vinda de jesus nas nuvens com sua Igreja que ressuscitará primeiro . Mas não posso evitar a profunda cova que se abriu em meu coração que engoliu minhas forças, alegria e vigor. Vai passar! Eu Sei. Mas de tudo que vivi, mesmo quando perdi meu avô, não senti isso. Quando vovô morreu foi como se eu tivesse perdido meu pai e meu avô. Mas ficou o meu pai, então meu pai acabou também suprindo aquilo que era o avô. Mas agora, amargamente perdi de novo o meu avô e o meu pai. Não os tenho por perto. Estou amargando um fel que não desejo para ninguém. Hoje minha mente adoecida me cobra os beijos que não dei, as visitas que não fiz, os presentes que não dei, as histórias que não ouvi. Hoje vai virar ontem e sei que vou sair para um outro dia. Todos Saem. O luto é uma doença terrível, mas curável. Que Deus abençoe e sustente este meu Brasil que vive o luto normal das mortes, que vive o luto desigual do covid, que vive o luto da morte da esperança de alguma coisa melhorar por aqui. Quero trazer à memória aquilo que me dá esperança. Jesus nos prometeu que um dia tudo será esclarecido e Ele pessoalmente nos trará uma nova vida, um novo corpo e uma história na qual a morte não ocupara uma linha sequer. Apesar do que sinto neste momento, eu creio nisso, e com ardente expectativa aguado a volta de Cristo. Desejo também dizer que o abraço, a presença, as mensagens dos amigos são gotas do céu numa terra seca e ácida. Não se envergonhem, solidarizem-se pessoalmente com quem está depauperado da alegria da vida em razão do luto que lhe foi imposto. Obrigada por me dar atenção. Que Deus os abençoe abundantemente.
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